Yasmin

I. À noite quando cai, fria e dormente,
Uma garoa que a tristeza enflora,
A gota solta, dando no batente
(Que de tão frio é quente),
Não sabe se congela ou se evapora.

Também o chão do quarto queima assim.
A porcelana branca sem um pó.
O orvalho nos ladrilhos de jasmim
(Como o seu jeito, Yasmin)
Evoca a antiga casa duma avó

Que já morreu; mas ao lembrar não cessa
A lágrima escorrendo no lençol.
A dor que toda neta só confessa:
A saudade: essa
Ausência do incidir a luz do sol.

II. Brilhavam tanto no varal os panos
Que em pontinhos o sol transparecia
Feito constelações dançando ao vento
Em plena luz do dia.

À sombra da marquise assobiante,
Deitada sobre a quina do quintal,
No colo dela havia um quê da brisa
Estufando o varal.

Carinho ela fazia na sua pele
E passava loção na sua bochecha.
Contava coisas que lhe aconteceram...
E o sonho se desfecha.

III. Nada se perde, tudo se transforma.
Como há frescor no quente e ardor no frio,
A pele se apazigua na água morna.

Seu choro à noite é de feição febril:
A memória da avó está presente,
Mas mesmo quente dá-lhe um arrepio.

Yasmin! Há vida além do que se sente
E a morte é só o início de outra vida.
Lua cheia boiando em céu poente.

Pois entenda e não fica entristecida.
Se a noite eterna é certa; e o dia, pronto —
Espera então que a sombra à luz se elida

E vai chegar seu reencontro.