Relato de um escritor


Eu nunca acreditei que as obras de arte que eu via e ouvia não transmitiam 'nada senão agrado estético', feito os pedantes quando alegam que as obras são pura forma sem no entanto haver um sentido profundo por trás. Pelo contrário, a própria concepção de forma, que eu conheci primeiro em Aristóteles, trazia em si a conotação de princípio imaterial do ser de algo, ser que por sua vez necessariamente tinha um sentido. A ideia de arte como pura forma para mim foi sempre uma impossibilidade lógica, mas também uma impressão real. Ao experimentar filmes, poemas, romances, animes, séries, ao ouvir piadas e discursos eloquentes, o que se destacava na minha experiência era o amor a uma composição expressiva presente ali — fosse a representação de algo que senti, de uma observação que fiz, de um pensamento que tive ou mesmo de alguma circunstância que eu jamais havia passado — sem que eu fosse capaz de dar um nome ao tema ou então, dando-lhe um nome, vendo que apequenava o que ali havia de precioso ao ponto do banal. A minha cabeça então pendia entre a possibilidade do impossível ou a impossibilidade do possível, incapaz de expressar a realidade do que vivia. Por mais que me explicassem o conceito de uma 'pura forma artística' — expressão pela qual nutri desprezo logo que a conheci —, não entendia como desconciliar a ideia de princípio intelectivo e enlevo estético, e nenhum argumento contrário ao meu entendimento aristotélico ia ao cerne desta questão, mas afirmava que a arte era uma linguagem própria e que, por mais que representasse o mundo, não existia nele. Outra ideia recorrente nessas discussões, eliminando a necessidade de isolamento da arte num apagar o próprio mundo, concebia que tudo era apenas linguagem e representação humana.

Eu tentava entender o que era arte, mas o próprio conceito de objeto de investigação, exterior a mim, era proposto de forma tão unilateral no par sujeito-objeto que se reduzia à subjetividade. Neste cenário, entender o que era arte e o que faziam as melhores obras era apenas questão de entender a mim mesmo, no nível pessoal do gosto, particular a cada um. Assim estilhaçava-se a arte em sete bilhões de pedaços vivos e muitos outros mais já mortos, com o detalhe de era apenas um aspecto menor de cada vida humana. Ou melhor, não que fosse, mas era o que ela queria dizer, sendo tudo apenas representação. Eu desprezava a fórmula, mas paradoxalmente o número de pessoas que a levava a sério me fazia duvidar de mim mesmo. Era verdade que não podia provar o contrário, porque a própria ideia de um corolário axiomático que demonstrasse o significado de uma obra artista me parecia a negação da própria arte. No momento em que eu pensava no assunto, eu não discordava da visão predominante; no momento em que tentava escrever ou desenhar, me parecia absurda toda a ideia de pureza formal. Foi quando uma observação de como se aprende um ofício artístico, junto com uma definição de Beleza, me ajudaram a entender a questão.

Aqueles entre os que eu conhecia que em vez de só discutir assuntos artísticos praticavam algum ofício concordavam de forma unânime que o gosto inato do aprendiz numa arte, por mais bem desenvolvido que naturalmente esteja, precisa ser aperfeiçoado com uma amplitude maior de experiências, para se refinar a precisão do senso estético. Há diferenças que apenas alguém que prestou bastante atenção num aspecto da realidade e vivenciou diversas formas dela pode atestar, a exemplo de um estudante de uma outra língua que é incapaz de perceber a diferença na pronúncia de duas palavras similares, mas ao passar uma temporada no estrangeiro começar a notá-la com muita nitidez.

Tudo que nós reconhecemos conscientemente é percebido através do leque de experiências lembradas, porque notamos as coisas por contraste. É uma noção inata de igualdade e diferença que se preenche de exemplos para nos dar a proporção exata do que as coisas captadas pelos sentidos são, de modo que a capacidade intelectiva do homem tem nos sentidos a sua fonte originária, sem a qual sequer poderia existir. Separar a capacidade de propósito humano da sensitiva é o mesmo que achar que as ovos brotam das bandejas de isopor. Essa ligação é o ponto de apoio que permite a alguém tranquila e sinceramente dizer que as ideias universais de amor, verdade, vida etc. estão ligadas de fato às impressões sensitivas porque, uma vez comprovada por vivência que todas as impressões sensíveis surgem inicialmente de noções (imateriais) inatas e universais de igualdade e diferença, já não soa pretensão projetiva dizer que os universais estão presentes tanto no sujeito quanto no objeto. A situação se inverte, e é a ideia moderna de "conceitos hipostasiados", isto é, de atribuição projetiva e sem alicerce real a abstrações, que se torna absurda. A hipóstase, o suporte até mais concreto que as coisas físicas, está no mesmo instante do entendimento. Daí que a Beleza é a aparência particularmente inteligível de mostrar aquilo que algo é, e os seres são qualidades necessariamente boas de uma realidade eterna e única, mas este já é outro assunto.