Embarcação

Meu coração é um naufrágio antigo
Que no fundo do mar fincou o leito —
Tão distante das ondas seu abrigo
Que só à pressão d'água está sujeito.

Esmagado este anseio que há comigo,
Nada restando e não havendo jeito,
Já bem sei que a bravata não consigo
Manter junto ao semblante satisfeito.

Tombam os olhos feito débeis mastros.
Nem se vê mais o fulgurar dos astros
Que outrora lhes guiou a direção.

Só, sem lugar, no fim do vasto mundo,
Tudo se afoga num vazio profundo,
Sem condutor, sem luz, sem capitão.